quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

USINA TERMELÉTRICA ABASTECIDA POR RESÍDUOS DE CANA-DE-AÇÚCAR, por João Victor Gonçalves

  Em tempos de suposta "crise de abastecimento" do sistema energético brasileiro (a qual é prontamente negada pelos órgãos do Governo Federal), voltam à tona tópicos que discutem alternativas para o processo de produção de energia. Uma delas, de grande aplicação nas regiões produtoras de etanol e açúcar no Brasil, é a instalação de usinas termelétricas cujas caldeiras são aquecidas pela queima do bagaço da cana. Porém, para melhor entender essa alternativa de grande aplicação em regiões como o interior do estado de São Paulo, necessitamos compreender alguns conceitos importantes relacionados ao tema.

Imagem de usina que produz energia elétrica com bagaço de cana-de-açúcar há mais de 25 anos na região de Ribeirão Preto. Foto: Divulgação/Usina São Francisco

  O que é o "bagaço" da cana?


  Assim como a sacarose e a palha, o bagaço é um dos subprodutos da indústria da cana, sendo constituído por celulose, hemicelulose e lignina. Cabe ressaltar que subprodutos da cana, como o bagaço, a palha e os ponteiros, contém 2/3 do conteúdo energético da cana-de-açúcar, o dobro em relação ao etanol extraído da planta, o que faz com que a geração de energia a partir da queima desses sub-produtos gere o dobro de energia obtida pela produção de álcool.

Detalhe da grande quantidade de resíduos produzidos no processo de colheita da cana-de-açúcar. Foto: O Nordeste

  

  Co-Geração de Energia


  É comum qualificar a obtenção de energia a partir do bagaço da cana-de-açúcar como um processo de "co-geração" de energia, o qual é definido como: "o processo de transformação de uma forma de energia em mais de uma forma de energia útil". Durante a queima do bagaço nas caldeiras, ocorre a geração de energia em suas formas térmica, elétrica e mecânica, suprindo diretamente a demanda energética necessária para a produção dos outros subprodutos da cana-de-açúcar. Maiores detalhes sobre tais formas de energia serão vistos no funcionamento de uma usina termelétrica movida à queima do bagaço da cana-de-açúcar.

O esquema acima retrata o processo de co-geração de energia de uma usina sucroenergética. Foto: Soto Filhos

  

  O que é uma usina termelétrica?


  Podemos definir "usina termelétrica" como uma instalação industrial usada para geração de eletricidade a partir da energia liberada em forma de calor, normalmente por meio da combustão de algum tipo de combustível renovável ou não renovável. Geralmente, algum tipo de combustível fóssil como petróleo, gás natural ou carvão é queimado na câmara de combustão. O vapor movimenta as pás de uma turbina, sendo que cada uma destas é conectada a um gerador, o qual propriamente "gera" a eletricidade.

Foto: Só Biologia

  Esclarecidos esses conceitos iniciais, vamos analisar os detalhes do funcionamento de uma usina termelétrica movida a bagaço de cana, suas vantagens e desvantagens e o que tem sido feito, atualmente, para a expansão do uso dessa forma de geração de energia.

  Como funciona uma usina termelétrica abastecida por bagaço de cana


  Para melhor explicar o funcionamento, vamos utilizar a imagem abaixo, enumerando as principais etapas do processo.

Foto: Desafio Energia + Limpa
  1. O bagaço da cana abastece o forno responsável pelo aquecimento da caldeira
  2. A água em ebulição produz grande quantidade de vapor, o que é conduzido por uma tubulação até a turbina
  3. A turbina é movimentada pelo vapor sob pressão, fazendo com que o gerador produza eletricidade
  4. A eletricidade gerada irá abastecer a usina de açúcar e etanol e o excedente é fornecido à rede elétrica, pois não pode ser armazenado
Imagem da turbina (verde) e do gerador (azul) da Usina Termelétrica de Sandovalina (SP), que, desde maio de 2012, passou a produzir energia a partir do bagaço da cana-de-açúcar. Foto: iFronteira

  O uso da biomassa na produção mundial e brasileira de energia


  Antes de analisar o uso da biomassa na produção de energia mundial e brasileira, vale lembrar que, tradicionalmente, a biomassa inclui a lenha, mas o crescente uso de resíduos do agronegócio faz com que surja o conceito de "biomassa moderna", o qual inclui resíduos da indústria de papel e celulose, estrume, lixívia (solução aquosa obtida com o lançamento de água fervente sobre uma camada de carbonato de sódio ou cinza), casca de arroz, palha e bagaço da cana-de-açúcar e até parte do lixo doméstico.

Imagem da palha residual da colheita de cana-de-açúcar, uma das principais matérias-primas do processo de produção de energia elétrica a partir de biomassa. Foto: CPT

  Estima-se que, atualmente, a biomassa corresponda à 10% da produção mundial de energia. Porém, essa proporção pode chegar à 30%, com o estímulo a produção de culturas que tenham tal finalidade. No Brasil, a queima dos resíduos da produção da cana-de-açúcar corresponde a 4,7% do total de energia ofertado no país. Mas há um potencial muito grande de crescimento, pois, para cada tonelada de cana usada nas usinas, sobram 250 quilos de bagaço e outros 200 quilos de palha. Esse material é biomassa preciosa, que pode ser integralmente usada na geração de energia térmica e elétrica para a própria usina sucroenergética, com a venda do excedente para a rede nacional. Só o bagaço e a palha que sobram das usinas de açúcar e etanol têm potencial para geral 15 mil megawatts médios – o equivalente a mais de três hidrelétricas de Belo Monte.

  Vantagens das termelétricas de biomassa


  • Fonte renovável
  • Fonte limpa (o carbono emitido é recuperado no plantio da cultura)
  • Usa resíduos agrícolas
  • Geração complementar às hidrelétricas nas estações de seca

Esta animação mostra o funcionamento da planta de co-geração de energia movida a bagaço de cana-de-açúcar construída pela Lanxess em Porto Feliz, interior de São Paulo. Fonte: CoGen 2010

  

  Desvantagens das termelétricas de biomassa


  • Necessidade de grande quantidade de biomassa
  • Usina precisa estar próxima da plantação
  • Necessita criar infraestrutura de distribuição de energia

  

  Opiniões e pesquisas atuais sobre o tema


  Por ser uma fonte alternativa viável para a produção de energia elétrica, a queima do bagaço e da palha da cana-de-açúcar vem sendo objeto de estudo de muitos especialistas. Segundo o pesquisador Paulo Lucas Dantas Filho, do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da USP, além das vantagens ambientais, essa forma de produção de energia possibilita uma terceira fonte de renda bastante significativa para os produtos de açúcar e álcool.

Matéria mostra a preocupação governamental com a busca de fontes de energia renováveis, com a inauguração de usinas termelétricas pelo ex-presidente Lula. Fonte: TV NBR

  Após trabalho de pesquisa realizado em quatro usinas energeticamente autossuficientes localizadas na região de Catanduva, interior de São Paulo, Dantas faz questão de destacar as possibilidades de emissão de créditos de carbono sob as regras do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), os quais são comercializáveis em bolsas de valores: "É um processo natural. Ao gerarem a energia limpa, automaticamente eles estão habilitados para requerem os projetos para certificação de emissão de créditos de carbono. É um caminho natural até".

Ex-presidente Lula visita a Usina Termelétrica Barra Bioenergia S/A, que produz energia a partir de resíduos da cana-de-açúcar, em Barra Bonita (SP). Foto: Ricardo Stuckert/PR

  Além disso, o pesquisador ressalta que a fumaça produzida na queima do bagaço não causa danos ambientais, em virtude da retenção da fuligem em filtros: "Não sobra nada da cana, eles aproveitam tudo. A própria fuligem acaba se tornando adubo para plantios futuros". Para completar, Dantas utiliza o exemplo do Estado de São Paulo, onde foi aprovada uma resolução que obriga que, até 2017, as queimadas na colheita da cana sejam extintas, o que possibilitaria o aproveitamento da palha e dos ponteiros da planta, perdidos nesse momento do processo: "A matéria-prima (bagaço) somada aos ponteiros e à palha tende a aumentar em 30% a capacidade de produção de energia".

Veja a matéria do Jornal da Record mostrando a produção de energia elétrica a partir do bagaço da cana. Fonte: Jornal da Record

  Ainda dentro das pesquisas sobre a produção de energia a partir da queima dos resíduos da cana, o engenheiro eletricista da Escola Politécnica da USP, Fernando Alves dos Santos, destaca números desse processo: “Com 500 mil toneladas de resíduos, cada termelétrica poderia produzir 42 megawatts de eletricidade por hora, durante 4.600 horas por ano. Quanto mais cana é moída, maior é o potencial energético". Sabendo que, no Estado de São Paulo, cada usina produz uma média de 2 milhões de toneladas de resíduos atualmente, teremos ideia do potencial energético de que dispomos.

Imagem das caldeiras da Usina Santa Cândida. Foto: Energisa

  Um dos problemas que as usinas termelétricas movidas à biomassa ainda enfrentam no Brasil é a não-integração com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o que faz com que, apesar de as 440 usinas do Brasil serem autossuficientes em termos energéticos, apenas 90 delas consigam vender seus excedentes ao sistema nacional. Segundo Sérgio Prado, diretor da União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (Unica), a cana-de-açúcar já é responsável por parte significativa da energia produzida no país: “Mesmo assim, o que é vendido representa 5% do total consumido no país. Em plena capacidade de produção, todas as usinas juntas poderiam gerar 15.300 megawatts (MW), o equivalente a pouco mais de uma Itaipu”.

Confira o vídeo da Série "Caminhos da Energia" que fala sobre o calor. Fonte: Grupo CPFL Energia

  Analisando o funcionamento de tais usinas termelétricas, vemos que as vantagens superam em termos ambientais, energéticos e financeiros as desvantagens do processo produtivo, o que faz da produção de energia a partir da queima dos resíduos da cana-de-açúcar uma alternativa viável para a matriz energética brasileira. Porém, vale destacar seu caráter complementar, o que faz desse tipo de energia um suplemento ao sistema nacional, principalmente em períodos nos quais o nível dos reservatórios das grandes hidrelétricas é baixo. Aperfeiçoamentos técnicos, a serem desenvolvidos nos próximos anos, poderão aumentar ainda mais a produtividade das termelétricas e, certamente, trarão uma diminuição nos custos de produção desse tipo de energia, que ainda é caro quando comparado ao das hidrelétricas, contribuindo ainda mais para a difusão desse tipo de termelétrica pelo país.

  

  Fontes de pesquisa


Nenhum comentário:

Postar um comentário